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Freni Tavaria: “A Microbiologia está em todo o lado e a grande maioria dos microrganismos tem um impacto muito positivo na nossa vida.”

Freni Tavaria é docente e investigadora da Escola Superior de Biotecnologia. É coordenadora da licenciatura em Microbiologia, única em Portugal. Nasceu em Moçambique e veio para Portugal aos 13 anos. Estudou na Universidade de Coimbra e nos Estados Unidos. Quando chegou ao Porto para integrar um projeto de investigação da ESB soube que era aqui que queria ficar. E assim foi. Para si, a Microbiologia é uma paixão e uma missão. Como explica, “vivemos repletos de microrganismos”. Nos tempos livres? Cozinhar!

 

Quais são as suas principais memórias de infância?

É curioso que pergunte isso, porque ainda esta noite sonhei com as praias de Moçambique. Foi em Moçambique que eu nasci. Aquelas praias do oceano Índico com a água sempre quente. Ficávamos na água a manhã toda…

 

Apesar de ter nascido em Moçambique, a sua família tem origens na Índia …

Os meus avós (tanto maternos como os paternos) eram indianos, mas acabaram por emigrar para Moçambique. Já a família do lado da minha mãe emigrou para a África do Sul. Está explicado o segredo do meu nome …

 

Freni é um nome indiano?

Não. O nome tem origem persa, porque a minha família tem ascendência persa.

 

De que forma é que estas culturas tão diferentes a influenciaram?

Em Moçambique, vivíamos numa comunidade muito heterogénea. Muitas raças e religiões. Cresci nesta diversidade. Éramos muito abertos e tínhamos a liberdade de nos darmos com toda a gente. Acho que tudo isto me deu uma grande capacidade de adaptação e de estar bem em qualquer lugar. Tenho uma facilidade grande em me sentir em casa em qualquer sítio. Muito naturalmente, faço do lugar onde estou a minha casa.

 

Quando é que vem para Portugal?

Eu tinha 13 anos quando vim para Portugal. Fomos para Sintra. Viemos para Portugal quando houve a independência. Nessa altura, os meus pais ainda chegaram a equacionar irmos para a Índia, mas culturalmente nós eramos portugueses, ainda que nunca tivéssemos estado em Portugal, nem tivéssemos família cá.

 

“É muito difícil desconectarmo-nos da Microbiologia.”

 

É bióloga de formação. Quando é que decidiu que queria estudar Biologia?

Eu era uma miúda muito curiosa. Quando chegou a altura de escolher, eu achei que não havia nada tão fascinante como estudar a Vida. Fui para a Universidade de Coimbra, onde estive dois anos, mas depois fui para o Texas, nos Estados Unidos, para continuar a licenciatura.

 

O que é que foi mais marcante nessa experiência?

Foi nos Estados Unidos que descobri a Microbiologia, o que viria a marcar a minha vida para sempre. As propinas nos EUA são elevadíssimas e, por isso, quis logo ir trabalhar. Arranjei trabalho, por mera coincidência, num laboratório de Microbiologia. Foi aí que começou a história da Microbiologia na minha vida. Foi uma paixão. Eu gostava muito do trabalho de laboratório. Quando comecei, a minha tarefa era lavar a louça e preparar os laboratórios para as aulas. Com o tempo, fui ganhando cada vez mais responsabilidades. Sentia que aquilo me dava muita autonomia e fui sendo incluída em vários projetos de investigação. Quando acabei a licenciatura, o meu orientador no laboratório propôs-me fazer mestrado naquele laboratório. E quando terminei o mestrado, recebi o mesmo convite para fazer o doutoramento, mas nessa altura já estava há demasiados anos fora de Portugal e quis regressar.

 

É quando regressa a Portugal que vem para a Católica?

Sim. Quando regressei a Portugal, lancei-me a responder a alguns anúncios do jornal. Foi nessa fase que vi um anúncio para um projeto de 15 meses sobre queijo da Serra, na Escola Superior de Biotecnologia. Depois de estar no Porto uma semana, disse à minha família que nunca mais ia voltar. Eu nunca cá tinha estado, mas sentia que já cá tinha estado. Era-me tudo muito familiar.

 

Os 15 meses transformaram-se numa vida toda…

Precisamente, nunca mais quis sair daqui. Ao fim dos 15 meses do projeto, o professor responsável pelo laboratório acabou por sugerir que eu fizesse o doutoramento e candidatei-me a uma bolsa que ganhei. O doutoramento foi feito na área da Microbiologia Alimentar e, ao mesmo tempo, também já dava aulas.

 

Nesse tempo, já existia a licenciatura em Microbiologia?

Estava nos primórdios. Cheguei à Católica em 1995 e a licenciatura surgiu em 1992. Acompanhei praticamente desde o início. Atualmente, continua, também, a ser a única licenciatura em Microbiologia no país.

 

Porque é que a Microbiologia é importante?

A Microbiologia tem esta particularidade de ser muito transversal. Abarca todas as áreas da nossa vida: alimentação, saúde, ambiente. É muito difícil desconectarmo-nos da Microbiologia, porque, no nosso dia-a-dia, a Microbiologia está em todo o lado. Não nos conseguimos libertar dela.

 

“Os estudantes de Microbiologia estão muito vocacionados para estar em laboratório.”

 

Mas fazemos sempre uma associação maioritariamente negativa relativamente aos microrganismos…

Sim, erradamente. Só cerca de 10% dos microrganismos têm impacto patogénico negativo. Todos os outros são benéficos. A grande maioria, de facto, dos microrganismos que nós usamos são bons e nós usamo-los para nosso proveito. Nós temos microrganismos a trabalhar para nós: para fazer pão, cerveja, vinho, iogurtes. São, também, os microrganismos que têm um papel fundamental na prevenção de muitas doenças. São eles que equilibram os vários ecossistemas/microbiomas.

 

Porque é que a Católica aposta nesta área? 

A Católica tem como missão gerar impacto na sociedade. Queremos ter esse impacto positivo. A Microbiologia é realmente uma área de elevado impacto. Isto justifica a aposta nesta área e a sua relevância. Com a informação e know how que há hoje e com o avanço da genética, a Microbiologia é um mundo por si só e há muito para explorar.

 

A licenciatura tem uma componente muito prática?

O curso de Microbiologia é extremamente prático. Os estudantes de Microbiologia estão muito vocacionados para estar em laboratório. Provocamos nos estudantes a constante vontade e curiosidade de estarem no laboratório a investigar, desde o primeiro ano da licenciatura. Não descobrimos a pólvora todos os dias (risos), mas todos os dias aproximamo-nos um bocadinho mais. Estimulamos os estudantes a terem esta vontade de serem uma gota – imprescindível! – no meio do oceano.

 

Que características é que são importantes para um investigador na área da Microbiologia?

Um bom investigador tem de ser curioso, meticuloso e resiliente. Não se pode deixar abater quando não há resultados, até porque a falta de resultados também é um resultado e faz parte do processo de aprendizagem.

 

E o processo de aprendizagem requer tempo …

Sem dúvida, e tempo é aquilo que, hoje em dia, temos pouco. A vida corre a um ritmo demasiado acelerado. Um professor tem de saber parar para perceber o tempo dos seus alunos. Ninguém aprende com pressa. Para se absorver e interiorizar o conhecimento é preciso tempo.

 

Qual é a melhor parte de se ser professora?

Ensinar é muito gratificante. Não há nada como ver os alunos crescer e a atingirem os seus sonhos.

 

“Quem não tem confiança no seu trabalho nunca vai conseguir persistir.”

 

Sempre quis dar aulas?

Ser professora acompanha-me desde que comecei a trabalhar no laboratório. É uma dimensão que não desligo da investigação. Aliás, contrariamente ao que se pensa, um bom investigador é um bom comunicador. Um bom investigador tem vontade de comunicar conhecimento. Para que serve um investigador que guarda para si a informação? Para nada. Desde cedo que dou aulas, porque sempre foi um prolongamento natural daquilo que faço em laboratório.

 

Enquanto investigadora, como é que gere a frustração de nem sempre atingir os resultados que queria?

Durante o meu doutoramento, estive anos a fazer a mesma coisa, sem ter resultados. A verdade é que nunca me senti abatida. Sou uma otimista por natureza, confesso. Mas até diria que a falta de resultados pode ser muito motivadora... Quanto menos resultados tenho, mais vontade tinha de os atingir e de trabalhar por eles. No fundo, eu sei que o resultado está ali. Simplesmente, ainda não cheguei lá. É aqui que entra a resiliência que falámos há pouco. A resiliência é a capacidade de continuar a trabalhar mesmo sem resultados.

 

A resiliência trabalha-se?

Claro que sim. Trabalha-se, dando confiança. Porque quem não tem confiança no seu trabalho nunca vai conseguir persistir.

 

O que é que gosta de fazer nos tempos livres?

Gosto de andar a pé na praia, gosto de fazer desporto e de estar com a família e amigos. Gosto muito de cozinhar.

 

A cozinha é um verdadeiro laboratório … Que influências tem a sua cozinha?

A cozinha é um importante laboratório da minha vida (risos). A minha cozinha é fundamentalmente portuguesa, mas também tem influências orientais e indianas. Quando estava nos Estados Unidos, fazia comida chinesa e mexicana. Gosto de variar e de criar.

 

 

15-02-2024