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Paula Castro: “É muito bom poder contribuir para a sustentabilidade do planeta.”

Paula Castro é docente, investigadora e atual diretora da Escola Superior de Biotecnologia (ESB). Cresceu numa família muito numerosa, onde aprendeu “a respeitar o outro e a saber partilhar”. Alumna da ESB, licenciou-se em Engenharia Alimentar e mais tarde doutorou-se em Engenharia Bioquímica na University College London, em Londres. Regressou a Portugal com vontade de se dedicar à carreira académica, tendo criado a linha de investigação em ambiente e sustentabilidade porque “é muito motivante poder investigar numa área com um impacto social tão grande!” E nos tempos livres? Caminhadas ao ar livre com os dois filhos algures na Serra da Estrela.

 

Que memórias guarda da sua infância?

Tive uma infância muito feliz passada na aldeia e numa rua onde só havia a casa do padre, uma igreja (românica e muito bonita) e um mosteiro (de Landim) perto da quinta da minha mãe. A minha especialidade era subir às árvores. Fui uma verdadeira maria-rapaz e aos quatro anos já tinha partido a tíbia e o perónio (risos). Sou a quinta de um grupo de treze irmãos, com dez rapazes. Sempre ouvi o meu pai dizer que nos daria o que considerava essencial: a educação, para além do muito “colinho” que tivemos. Ensinaram-me que com isto podíamos ser o que quiséssemos. Foi uma infância muito rica em vivências.

 

O que é que se aprende com uma família tão numerosa e de que forma é que isso a moldou?

Aprende-se a viver em harmonia numa grande variedade de personalidades. Aprende-se muito a respeitar o outro e a saber partilhar não só aquilo que é material, mas também tudo aquilo que não é. Aprende-se a ser-se organizado, aprende-se a gerir e acima de tudo ganha-se muita responsabilidade. Sou uma das mais velhas e acabamos por ter um sentido de grande responsabilidade para com os outros irmãos. Claro que os pais estão lá, mas já não são só os pais, porque somos todos uma equipa. No meio de tanta brincadeira e trabalho, responsabilização e partilha, moldou-me a simplicidade e a capacidade de valorizar apenas o essencial. E a de respeitar a diferença – de outra forma seria difícil viver em harmonia entre tantos espíritos rebeldes. Acho que trouxe isso para a vida, onde tento cultivar a riqueza da diferença. De alguma forma tudo isto me ajuda a lidar com a incerteza e mantém-me o ânimo quando as coisas correm menos bem.

 

O que é que a marcou nos seus tempos do liceu?

Tive a sorte de encontrar ao longo de oito anos, no colégio dos Jesuítas nas Caldinhas, professores que passaram o gosto pelo conhecimento. Mas houve um professor que me marcou imenso: o meu professor de filosofia. Esse professor era o então jovem Padre Nuno Gonçalves, agora Reitor da Universidade Gregoriana em Roma. Fazia algumas aulas diferentes, no bosque do colégio no meio da natureza. Registei a serenidade e a orientação para a necessidade de tempo para a contemplação e o pensamento livre e ainda hoje esses momentos me reavivam a determinação de proteger o tempo para pensar, para a introspeção, onde nascem diferentes formas de ver a vida. 

 

Ingressou na licenciatura em Engenharia Alimentar da Escola Superior de Biotecnologia. Porquê esta escolha?

Eu sempre quis seguir um curso de engenharia, sempre gostei de matemática, mas não queria abandonar as ciências da vida. Quando eu estava no 12º ano soube que ia abrir uma nova faculdade na Universidade Católica, a Escola Superior de Biotecnologia, com um curso novo, com muita ligação às empresas e que incluía um estágio no estrangeiro no último ano. Eu não sabia muito bem o que seria após o curso, mas sabia que ia para fora, à época completamente inovador, e que ia ser dos primeiros estudantes a fazer aquela licenciatura. Isto bastou-me para decidir.

 

No 5º ano do curso parte rumo aos Estados Unidos da América, mais concretamente para a Universidade da Virgínia.

Sim, o estágio no estrangeiro que tanto ansiava concretizou-se na Universidade da Virgínia, onde escolhi um tema que não tinha nada de Engenharia Alimentar: produção de fármacos com células. O facto de estar envolvida numa temática que não tinha a ver com a Engenharia Alimentar fez-me perceber que o curso que tiramos é como se fosse uma carta de condução que nos permite seguir por direções diferentes. Foi, verdadeiramente, libertador para mim perceber que eu não tinha de estar agarrada à área do meu curso, porque eu realmente ainda não sabia o que queria fazer, mas senti-me preparada para agarrar oportunidades. A licenciatura tem de nos dar ferramentas, através das quais vamos poder atuar em realidades e contextos diferentes.  

 

Gostou tanto da experiência internacional que depois também foi fazer o seu doutoramento para Londres …

Sim, fiz o doutoramento na University College London onde trabalhei com células e fármacos, era uma investigação com um propósito muito aplicado. Foram tempos muito bons. Lembro com muito carinho um dos meus orientadores, o Professor Alan Bull. Em cada momento importante, ao invés de me dizer o que fazer, sabia ouvir o que eventualmente seria até um caminho menos correto e fazia-me acreditar que a decisão era uma proposta conjunta onde eu tinha tido uma palavra. Sabia confiar, orientar e fazer acreditar que o mérito de cada escolha era fruto do nosso trabalho. Inspirou-me muito. Foi, também, durante o doutoramento que me comecei a interessar por outros temas mais ligados ao ambiente.

 

“Tenho muito presente que o percurso na faculdade pode, por si só, transformar a vida de um jovem.”

 

Quando é que desperta para o interesse pela carreira académica?

Ainda em Inglaterra acabei por conseguir um lugar numa empresa de biotecnologia, onde fiquei dois anos. Foi uma ótima oportunidade que muito me ensinou, mas a verdade é que sentia o apelo pela carreira académica. Regressei, assim, para Portugal para desenvolver uma linha de investigação em ambiente e sustentabilidade.  Eu já tinha sido monitora no quarto e no quinto ano do curso, em que dei aulas práticas de bioquímica e, por isso, já tinha tido algum contacto com a experiência de ensinar.

 

O que é que mais gosta na sua profissão, enquanto investigadora e docente?

Fascina-me o desenvolvimento de soluções sustentáveis para problemas que nos põem à prova todos os dias, como a disponibilidade de solo e água para alimentar um planeta de 8 mil milhões de pessoas, fora todas as outras espécies, claro. É muito bom poder contribuir para a sustentabilidade do planeta. É muito motivante poder investigar uma área que tem um impacto social muito grande. Paralelamente à investigação, tenho o privilégio de canalizar esse conhecimento para a docência. Gosto imenso desta proximidade com os alunos e o privilégio que temos de os acompanhar na sua evolução. É um desafio muito grande!

 

Assume o cargo de diretora da Escola Superior de Biotecnologia. Como é que encara esta missão?

Enquanto diretora e, também, alumna da ESB, cabe-me criar para os atuais alunos o mesmo que a faculdade fez por mim quando era jovem: garantir uma formação inovadora e com um horizonte global, capaz de preparar profissionais que criem um mundo melhor. Tenho muito presente que o percurso na faculdade pode, por si só, transformar a vida de um jovem.

 

“A aspiração mais profunda de cada um é ser feliz.”

 

O que é que a move nesta missão?

O desígnio mais nobre da universidade é de facto a geração de conhecimento, mas não podemos interpretá-lo de forma limitante. Por exemplo, queremos inspirar os nossos alunos de modo a trazer ao de cima o melhor do seu potencial. Sabemos que ao abrir as portas da vida profissional estamos também a mostrar como viver: e a aspiração mais profunda de cada um é ser feliz. Somos responsáveis por ajudar a otimizar esse cruzamento de aspirações em particular com base no exemplo, que é um dos mais fortes manuais que temos.

Como é que construímos felicidade num mundo imprevisível? Essas e outras perguntas complexas não têm respostas fáceis. Pessoalmente, defendo uma busca através da reconexão com o que temos de mais intrínseco: valores básicos como a solidariedade, a honestidade, o diálogo e a tolerância. Eu sei que não é apenas a universidade que é chamada a fazer face a estes grandes desafios, mas é a instituição onde mais oportunidade temos para ganhar consciência destes processos e, quem sabe, onde poderemos descobrir o «abre-te sésamo» por que todos ansiamos. Em suma, necessitamos de fomentar modelos inovadores assentes em abordagens holísticas e interdisciplinares que promovam o pensamento crítico e a ligação ao mundo. É tudo isto que me move! Cada estudante, funcionário ou docente tem um papel crucial na preparação do mundo que as gerações futuras virão encontrar. Quero ser uma facilitadora desse processo.

 

“Os jovens estão mais disponíveis para a mudança!”

 

De que forma é que a Escola Superior de Biotecnologia se distingue?

Uma das coisas que melhor nos define é a proximidade entre todos os alunos, professores e funcionários. Vivemos intramuros com o Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) e também com empresas e é muito importante estarmos numa faculdade onde se convive de perto com a construção da ciência.  Isto traz rigor ao raciocínio e acaba também por impulsionar o espírito empreendedor dos alunos. Aquilo que a ESB é para os seus estudantes, através de tudo o que proporciona, como a formação de excelência, as oportunidades de mobilidade e outros projetos, acaba por ser uma forma de estar na vida. É isto que queremos que os nossos alunos levem quando partem.

 

Dedica-se à investigação de temas relacionados com a sustentabilidade. Considera que as gerações mais jovens estão mais permeáveis a estas temáticas?

Sim, os jovens estão mais acordados para a urgência da mudança e para mobilizar a sociedade nessa transformação. Mas, atenção, que isso não basta porque nós, “os jovens há mais tempo” como diz o nosso capelão, temos de abrir o caminho às novas gerações, sobretudo pelo exemplo, e nas universidades essa interação tem espaço para frutificar. Na ESB/CBQF em particular a sustentabilidade é pano de fundo para a nossa atividade e o critério que permite selecionar opções. Por exemplo não faz sentido trabalhar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas apenas em determinados projetos ou unidades curriculares e ignorá-los noutras. Cabe-nos entrosar essas prioridades no dia-a-dia e permitir que elas nos guiem e inspirem. Só desta forma é que conseguimos ajudar a capacitar as gerações mais novas para o imenso desafio que as aguarda.

 

“Acredito que a felicidade, quando se encontra, percebe-se que ainda é gratuita!”

 

De que forma é que a ESB e o CBQF assumem a missão de estarem abertos ao exterior e servirem a sociedade?

A investigação é crucial para o futuro da sociedade e para a sobrevivência do planeta e uma faculdade sem investigação não serve bem nem os seus alunos, nem a comunidade que a apoia. A ESB e o CBQF existem como duas faces da mesma moeda. O CBQF desenvolve investigação de ponta precisamente nas áreas nucleares do nosso ensino. Esta vivência intramuros, além de se refletir diariamente na oferta formativa e estar à disposição dos alunos, também alimenta a inovação e abre a porta para mercados internacionais extremamente competitivos. Orgulhamo-nos de responder aos atuais desafios da sustentabilidade, saúde e bem-estar. O nosso trabalho só faz sentido se servirmos a sociedade e se estivermos verdadeiramente abertos ao mundo.

 

O que é que mais gosta de fazer nos tempos livres?

Quando era mais jovem pratiquei mergulho de garrafa e cheguei a experimentar voo em planador… Agora o meu tempo é passado com os pés bem assentes na terra. Os meus tempos livres são essencialmente dedicados aos meus dois filhos, com quem faço longas caminhadas na serra... ou com quem vejo algumas séries assustadoras! Tudo coisas simples e ao alcance de todos porque acredito que a felicidade, quando se encontra, percebe-se que ainda é gratuita!

 

Existe algum sítio onde goste de caminhar preferencialmente?

Na Serra da Estrela. É a minha serra de eleição e passo lá o que posso do meu verão.

 

23-06-2022