
Há algo de messiânico no famoso verso da Mensagem de Fernando Pessoa, que parece consagrar uma insuficiência estrutural, uma falta ou falha na afirmação do país.
“Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
Publicado em 1934, o poema O Infante fala de um país criativo, onde o homem (sem H) sonha e a obra nasce; de diálogo cultural, num mundo onde o mar une; de império, domínio e poder. A chave simbólica deste país é o mar. A sua liquidez imensa é impossível de dominar e por isso, ao cumprir-se o mar, o império inevitavelmente se desfaz. Mas o mar é também o espaço da possibilidade, da oportunidade, da emergência, do contacto. O cumprir-se o mar implica que Portugal nunca se poderá cumprir, e isso não é necessariamente mau.
Ao longo da história, o “cumprir” das nações tem sido orientado por uma ambição de poder que pressupõe não raro o “descumprir” de outras. Sob forma mais ou menos radical, recorde-se a busca do espaço vital da Alemanha nazi ou a União forçada das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Mais perto de nós, a invasão recente da Ucrânia pela Rússia de Putin ou a persistência da operação israelita na Faixa de Gaza são exemplos de uma ideia de país como unidade espacial, demográfica, cultural e política una, fixa, dominante e imutável. A nação que se cumpre permanece rígida e imutável. Não se transforma.